Depois da resposta positiva sobre a última coluna, em que tratei do documentário “O golpista do Tinder”, aceitei a sugestão de vocês e hoje falarei sobre Anna Delvey, da minissérie “Inventando Anna”, que também é transmitida pela Netflix. Como podemos perceber, os golpistas estão em alta no streaming. Enquanto Simon Leviev praticava golpes somente em mulheres, utilizando o Tinder para fazer suas vítimas, a falsa herdeira alemã Anna Sorokin aplicava golpes financeiros em amigos, hotéis, restaurantes, advogados, uma operadora de jatos particulares e várias instituições bancárias, afirmando ser uma “herdeira alemã” com um fundo fiduciário de mais de 40 milhões de euros. A golpista utilizava o discurso de “herdeira alemã” e conquistava as vítimas com seu bom gosto pela arte, por grifes de moda, refletida em sua forma de vestir, sua excelente articulação em negócios e um projeto de clube de artes, uma fundação com o nome que ela usava: “Anna Delvey”.
Durante a minissérie, percebemos que Anna esbanjava para todos uma vida extremamente extravagante e luxuosa, o que fez com que várias pessoas se aproximassem dela e vissem seus projetos como uma forma de lucrar com o seu “talento”. Contudo, o que parecia ser herança, na verdade, era vigarice. Quando cobrada, dizia que seu dinheiro não estava disponível para saque por ela naquele momento, que seu cartão havia sido roubado e que havia problema no sistema do local, porque ela tinha dinheiro. Anna era constantemente cobrada por despesas com hotéis e restaurantes e envolvia vexatoriamente amizades para pagarem suas despesas, prometendo que “seu pai faria transferência do dinheiro”. No entanto, nem que ele quisesse, como pudemos observar nos últimos episódios da minissérie, o pai de Anna poderia pagar. Ele era um trabalhador braçal da área de refrigeração numa pequena cidade na Alemanha, onde morava de forma humilde com a mãe e o irmão da golpista.
Anna foi julgada por Júri popular de Nova York pelos crimes de estelionato e furto mediante fraude por vários credores, em sua maioria instituições financeiras que emprestaram valores a golpista, acreditando que seu projeto “Fundação Anna Delvey” seria um sucesso, mas sem qualquer embasamento nas reais finanças da golpista, que, inclusive, utilizou de aplicativos para mudar a voz e se passar por consultor financeiro. Ao final da minissérie, Anna é sentenciada há 12 (doze) anos de prisão em regime fechado pelos crimes de estelionato e furto mediante fraude. Na vida real, a mídia relata que Anna Sorokin cumpriu apenas 24 (vinte e quatro) meses e, em razão de seu bom comportamento na cadeia, foi solta. Contudo, hoje ela está presa esperando ser deportada para Alemanha, porque seu visto de permanência nos EUA expirou.
A contextualização é importante para analisarmos: se a “Herdeira Alemã” fosse brasileira, logo, com a legislação brasileira aplicada, o que aconteceria com Anna Sorokin? Primeiramente, na seara criminal, a golpista não seria julgada pelo Júri popular, porque, no Brasil, apenas os crimes contra a vida, dolosos ou culposos, tentados ou consumados, são de competência do Júri. Assim, Anna seria julgada por um Juiz da Vara Criminal e responderia pelos crimes de:
Estelionato: quando Anna obteve para si vantagem ilícita, em prejuízo dessas instituições financeiras, induzindo e mantendo-as em erro, seria condenada a uma pena de reclusão, de 1 a 5 anos, e multa (artigo 171 do Código Penal).
Fraude: quando Anna tomou refeições em restaurantes, alojou-se em hotéis e utilizou-se do jato privado de operadora de transporte, tudo sem dispor de recursos para efetuar o pagamento, seria condenada a uma pena de detenção, de 15 dias a 2 meses, ou multa (artigo 176 do Código Penal).