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Recentemente recebi a seguinte pergunta de um(a) cliente que me procurou “Dra., li na internet que ele (a) pode perder a casa se abandonou a família. É meu caso?” A pessoa em questão referia-se a hipótese em que há a perda da propriedade pelo (ex) cônjuge ou companheiro em razão do abandono do lar, isto é, quando interrompido o casamento/união estável, a assistência financeira e moral, ausentando-se de suas responsabilidades perante a família.
A lei exige o preenchimento de vários requisitos para configuração do abandono do lar que gere o usucapião (aquisição da propriedade) por parte do cônjuge/companheiro que permaneceu no imóvel e a doutrina e jurisprudência analisam com grande cautela o tema que ainda possuía algumas divergências. Então, esclareço. O ato de abandono do lar pelo cônjuge ou companheiro deve ocorrer de forma voluntária, não pode decorrer de afastamento por razões de violência doméstica ou separação de corpos judicial.
Além disso, necessariamente o abandono do lar deverá durar 2 anos corridos, sem interrupções por reconciliações do (ex) casal e manifestação de que tem direito ao imóvel, por meio de ação de divórcio ou dissolução de união estável, com o pedido de partilha de bens, interesse de retornar ao imóvel, por meio de ação de reintegração de posse, ou por meio de ação de cobrança de alugueres. O abandono não se configura se o cônjuge demonstrar que a distância é meramente sica e que não houve abandono financeiro e moral à família. A prova pode ser feita com a juntada de comprovantes de transferência de pensão alimentícia dos filhos, ou comprovantes de pagamento de tributos que incidem sobre o imóvel.
Portanto, o efetivo abandono do lar capaz de retirar a propriedade do imóvel daquele que o deixou somente ocorrerá se não houver nenhuma responsabilidade quanto a casa e família pelo período de 2 anos corridos. O Enunciado 496 da V Jornada de Direito Civil resume o abandono ao lar: “deve ser interpretado de maneira cautelosa, mediante a verificação de que o afastamento do lar conjugal representa descumprimento simultâneo de outros deveres matrimoniais, tais como assistência material e sustento do lar, onerando desigualmente aquele que se manteve na residência familiar e que se responsabiliza unilateralmente pelas despesas oriundas da família e do próprio imóvel, o que justifica a perda da propriedade e a alteração do regime de bens quanto ao imóvel objeto de usucapião.”
Os 2 anos somente podem ser contados a partir da criação da lei (2011) que inseriu no Código Civil o usucapião familiar, ou seja, não havendo como utilizá-lo para situações familiares anteriores a ela. O cônjuge que permanecer no imóvel deve usufruir diretamente do mesmo nestes 2 anos. Além disso, existe uma limitação quanto a área total do imóvel que não pode ser superior a 250m2, além da exigência do ser imóvel urbano. Portanto, famílias com imóveis rurais estão excluídas desta hipótese legal. Por fim, o último requisito exigido por lei é de que aquele que permaneceu no imóvel não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural, ou seja, deve ter apenas este único imóvel.
Assim, configurado o abandono do lar (sico, moral, sustento e emocional) e preenchidos todos os requisitos legais (2 anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m2, cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural) será declarado o usucapião familiar e reconhecido o direito exclusivo de propriedade do cônjuge/companheiro que no imóvel permaneceu.
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Artigo publicado em 12.02.2020 na Revista Topview Online
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