0
A “adoção à brasileira”, também chamada de afetiva, é quando se registra filho alheio em nome próprio. Em verdade, não se trata de uma adoção, porque a prática é ilegal, proibida pela legislação brasileira que a constitui como crime contra o estado de filiação (artigo 242 do Código Penal), eis que não se respeitou a obrigatoridade de inscrição no cadastro nacional de adotantes. Contudo, em razão da motivação afetiva (vontade de ser pai da criança, proporcionar uma vida melhor ao filho afetivo e dar seu nome) é concedido o perdão judicial.
Dentre as práticas mais frequentes, a mais observada é a do marido, companheiro ou namorado da mulher que registra o filho de outro homem, como se seu fosse, passando o seu sobrenome e constando como pai na certidão de nascimento da criança/adolescente, em razão do vínculo afetivo do casal. Portanto, mesmo sabendo que não é pai biológico o pai socioafetivo voluntariamente reconhece-o como filho. 
Na prática, não é incomum que esse pai, quando rompe o relacionamento com a mãe da criança/adolescente, queira desconstituir o registro com a intenção de retirar seu sobrenome e negar a paternidade, a fim de que não seja mantido como pai na certidão de nascimento, mas mais do que isso, não tenha que pagar pensão alimentícia a favor do filho.
Muito embora a “adoção à brasileira” esteja à margem do ordenamento pátrio, uma vez que tenha sido um ato espontâneo do pai registral, sem qualquer vício de vontade, havendo vínculo afetivo com a criança, não pode ser tido como vulgar e resolvido por distrato por mera liberalidade daquele que voluntariamente deu seu nome ao filho socioafetivo. 
A jurisprudência e a doutrina brasileira entendem que o registro de nascimento revela a intenção do pai registral, a paternidade declarada. De modo que não é correto desconstituir um laço afetivo consolidado por não ter sido respeitado o procedimento de inscrição no Cadastro Nacional de Adoção (CNA). Logo, optou-se por relativizar a exigência e privilegiar o melhor para a criança e o adolescente, assim, a paternidade registral é irrevogável e irretratável quando for voluntário e existir vínculo socioafetivo comprovado entre pai registral e filho. Excepcionalmente a ação negatória de paternidade pode ser julgada procedente pelo Juiz quando demonstrada processualmente a existência de origem biológica e a inexistência de vínculo socioafetivo. 
O Superior Tribunal de Justiça em 2015 julgou um Recurso Especial em que uma uma mulher teve uma relação com um primeiro homem, separou-se e constituiu uma nova união com um segundo homem. Quando foi confirmada a gravidez seu atual companheiro (o segundo homem) assumiu a criança como pai registral. A relação não durou muito tempo e se separaram. A genitora voltou a se relacionar com o primeiro homem, com o qual teve outros dois filhos. Foi ingressada com ação de anulação do registro de nascimento da criança, o pai registral (o segundo homem) também veio ao processo e concordou com a anulação do registro de nascimento. O atual marido (o primeiro homem) assumiu a paternidade dessa criança, pois tanto ele quanto a mãe achavam que era seu filho biológico. A surpresa foi que após o resultado do exame de DNA constatou-se que o filho não era fruto daquele primeiro relacionamento (atual marido). Observa-se, portanto, que uma criança que tinha 3 pais (registral, socioafetivo e biológico) e uma mãe, quase acabou sem nenhum pai. Em sentença o Juiz determinou a anulação da certidão de nascimento em que constava o pai registral (o segundo homem), por não existir vínculo socioafetivo com a criança e nem ser seu pai biológico. O pai biológico por ser desconhecido não constou na certidão de nascimento da criança. E o pai socioafetivo e atual marido da mãe da criança pediu o reconhecimento como pai e que constasse seu nome na certidão de nascimento da criança, o que foi concedido.
Neste caso, se soubessem quem era o pai biológico, ambos poderiam constar na certidão de nascimento da criança (multiparentalidade), mas este assunto é para outra coluna. 😉 
Dúvidas | Sugestões: [email protected] | Formulário
Artigo publicado em 27.10.2020 na Revista Topview Online
Compartlhe

Leave a Reply